segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Cronica do Amor - Arnaldo Jabor

Crônica do amor


Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.

O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.

Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.

Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.

Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.

Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?

Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário.

Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.

Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?

Não pergunte pra mim você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.

É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.

Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.

Não funciona assim.

Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.

Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó!

Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.

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"O contrário do amor não é o ódio, é a indiferença"....

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Martha Medeiros - Vingança

Mais um texto do blog: http://martheando.blogspot.com/


Muitas frases espirituosas já foram escritas a respeito de vingança. Gosto de uma que diz: “Contra quem lhe tomou sua esposa, não existe vingança melhor do que o infeliz ficar com ela pra sempre”. Vale para ambos os sexos, acrescento.


A vingança é uma atitude de mau humor, e o mau humor pode ser risível. Eu, ao menos, acho engraçado que alguém perca tempo se dedicando a se vingar do que quer que seja, deixando claro o quanto se sentiu ofendido. Há vingança melhor do que não dar a mínima?

Mas, para a maioria das pessoas, é difícil ficar indiferente diante de uma situação que, a priori, causou prejuízo. Até o Velho Testamento cita o “olho por olho” como forma de sanar o dano causado. Toma lá, dá cá. Aqui se faz, aqui se paga. Ok, mas me parece um desperdício de energia.

Não chego ao cúmulo de oferecer a outra face, que isso é coisa pra santo. Perdoo, mas me blindo. Se aprontou uma vez, aprontará outra. Fico na minha, me fortaleço e trato de viver cada dia melhor – nada irrita mais nossos inimigos.

Pesquisas indicam que as mulheres são mais vingativas do que os homens, o que nos faz descer alguns degraus, sustentando a teoria do sexo frágil. Transar com outro, sem estar a fim, só porque fomos traídas? Roubar o namorado da amiga porque ela ficou com nosso emprego? Espalhar boatos pela internet porque alguém foi desleal? É a confirmação da nossa pequeneza, que passa a se igualar à pequeneza de quem falhou conosco.

A iraniana Ameneh Bahrami, que no último domingo perdoou o homem que lhe jogou ácido no rosto, cegando-a, declarou que a clemência lhe fez bem. Ela o salvou minutos antes de ele próprio ter os olhos corroídos por ácido num hospital de Teerã. O médico já estava com o material na mão para consumar a vingança (autorizada pelas leis islâmicas). O agressor estava de joelhos, aos prantos, aguardando o pior, quando chegou o telefonema com o perdão da vítima.

Por que Ameneh desistiu de pagar na mesma moeda? Sei lá, talvez porque não foi um filho dela que o maluco cegou (mexam com nossas crias e bye bye superioridade), mas o mais provável é que o mal nunca tenha feito parte da sua natureza. Ela não quis ser como ele.

Dizem que se vingar dá uma sensação agradável, que a vingança é doce, traz consolo, segurança, que há até um componente erótico em sua consumação. Estão aí os defensores da pena de morte para confirmar o júbilo que a vingança provoca. Eu sigo achando que lutar por justiça é um dever, mas se vingar é tosco. Só é aceitável quando o destino é que se vinga por nós, sem que a gente suje as mãos. Há que se confiar na providência divina.

Já a vingança arquitetada é a infantilidade usando salto alto e batom, fingindo-se de gente grande.

Jornal Zero Hora, 03 de agosto de 2011.

Martha Medeiros - Amputações

Do blog: http://martheando.blogspot.com/
Quando o filme 127 Horas estreou no cinema, resisti à tentação de assisti-lo. Achei que a cena da amputação do braço, filmada com extremo realismo, não faria bem para meu estômago. Mas agora que saiu em DVD, corri para a locadora. Em casa eu estaria livre de dar vexame.

Quando a famosa cena se iniciasse, bastaria dar um passeio até a cozinha, tomar um copo d´água, conferir as mensagens no celular, e então voltar para a frente da TV quando a desgraceira estivesse consumada. Foi o que fiz.

O corte, o tão famigerado corte, no entanto, faz parte da solução, não do problema. São cinco minutos de racionalidade, bravura e dor extremas, mas é também um ato de libertação, a verdadeira parte feliz do filme, ainda que tenhamos dificuldade de aceitar que a felicidade pode ser dolorosa. É muito improvável que o que aconteceu com o Aron Ralston da vida real (interpretado no filme por James Franco) aconteça conosco também, e daquele jeito.

Mas, metaforicamente, alguns homens e mulheres conhecem a experiência de ficar com um pedaço de si aprisionado, imóvel, apodrecendo, impedindo a continuidade da vida. Muitos tiveram a sua grande rocha para mover e, não conseguindo movê-la, foram obrigados a uma amputação dramática, porém necessária.

Sim, estamos falando de amores paralisantes, mas também de profissões que não deram retorno, de laços familiares que tivemos de romper, de raízes que resolvemos abandonar, cidades que deixamos. De tudo que é nosso, mas que teve que deixar de ser, na marra, em troca da nossa sobrevivência emocional. E física, também, já que insatisfação é algo que debilita.

Depois que vi o filme, passei a olhar para pessoas desconhecidas me perguntando: qual será a parte que lhes falta? Não o “Pedaço de Mim” da música do Chico Buarque, aquela do filho que já partiu, mutilação mais arrasadora que há, mas as mutilações escolhidas, o toco de braço que tiveram que deixar para trás a fim de começarem uma nova vida.

Se eu juntasse alguns transeuntes, aleatoriamente, duvido que encontrasse um que afirmasse: cheguei até aqui sem nenhuma amputação autoprovocada. Será? Talvez seja um sortudo. Mas é mais provável que tenha faltado coragem.

Às vezes o músculo está estendido, espichado, no limite: há um único nervo que nos mantém presos a algo que não nos serve mais, porém ainda nos pertence. Fazer o talho sangra. Machuca. Dói de dar vertigem, de fazer desmaiar. E dói mais ainda porque se sabe que é irreversível. A partir dali, a vida recomeçará com uma ausência.

Mas é isso ou morrer aprisionado por uma pedra que não vai se mover sozinha. O tempo não vai mudar a situação. Ninguém vai aparecer para salvá-lo. 127 horas, 2.300 horas, 6.450 horas, 22.500 horas que se transformam em anos.

Cada um tem um cânion pelo qual se sente atraído. E um cânion do qual é preciso escapar.

Jornal Zero Hora, 31 de julho de 2011.